A pessoa mediana não sabe praticamente coisa alguma sobre Inteligência Artificial (IA). Isto não é uma crítica de forma alguma. IA é um assunto complexo da ciência Matemática e o número de especialistas neste campo é extremamente pequeno. Tendo dito isto, cabe a nós nos mantermos informados a respeito daquilo que eles estão fazendo — ou que afirmam estarem fazendo — pois os sistemas de IA têm o potencial de revolucionar praticamente todos os aspectos da existência humana.
Um sistema de IA é um software de computador altamente sofisticado que tem a capacidade de reescrever partes de seu próprio código enquanto interage com seu ambiente cibernético. Ele faz esses ajustes para reduzir o vão entre o que foi programado para alcançar (seus objetivos) e aquilo que ele está realmente alcançando (seus resultados). Ele faz isso percorrendo o mesmo terreno, repetidamente, bilhões de vezes, até encontrar um micro-ajuste que o leve apenas um pouquinho mais para perto para um desses objetivos. Ele literalmente aprende por tentativa e erro.
Durante décadas, os desafios para os desenvolvedores de software para IA eram três: (1) projetar uma linguagem de programação que permitisse que esses minúsculos ajustes fossem feitos de um modo sistemático; (2) projetar um sistema de software que pudesse gradualmente estender e expandir o critério que é usado para avaliar seu próprio progresso (e não percorrer sem propósito uma gigantesca árvore computacional); e (3) projetar um processador, ou uma rede de processadores, que pudesse executar o volume maciço de instruções computacionais que um simples jogo baseado em regras envolveria.
Avanços significativos foram feitos em todas essas áreas nos últimos 50 anos. Programas foram desenvolvidos que poderiam consistentemente derrotar os seres humanos no jogo de xadrez. Entretanto, esses programas não se qualificavam como "Inteligência Artificial" no sentido correto do termo, pois os programas em questão foram projetados em detalhe por humanos para executar apenas uma atividade controlada por regras, isto é, jogar bem o xadrez. Eles não poderiam jogar outro jogo qualquer. Cada um era como um carro que somente poderia ser dirigido em uma única rua. O que as pessoas querem é um carro que possa ser dirigido em qualquer rua — um veículo de propósito geral.
A Inteligência Artificial envolve "auto-aprendizado", em que os pequenos ajustes que mencionamos são retidos sempre que eles obtêm resultados ligeiramente melhores. O computador de IA jogará contra si mesmo milhões de vezes, fazendo dezenas de milhares de ajustes ao seu código a cada hora, sempre crescendo e tornando-se mais e mais forte. Ele usa milhares de processadores especiais, conhecidos como redes neurais, cada uma tendo milhares de possíveis "caminhos". Quanto mais um caminho é usado — por que ele obtém melhores resultados — mais ele é reforçado. Esta estratégia é, portanto, conhecida como "aprendizado de reforço a partir do jogo contra si mesmo".
A Inovação
A grande inovação ocorreu em 2016 com um programa de IA de auto-aprendizado chamado AlphaZero. O campeão mundial de xadrez no mundo cibernético naquele tempo era um programa dedicado chamado Stockfish 8. Usando seu conjunto gigantesco de processadores, AlphaZero começou a jogar contra si mesmo, sem ter acesso aos livros de aberturas do xadrez ou às tabelas de finais. Ele estava na mesma situação de um menino em idade escolar que acabou de aprender as regras do xadrez e teve de ficar jogando contra si mesmo — bilhões de vezes — de modo a se aprimorar. Com apenas quatro horas de experiência jogando sozinho, ele excedeu a pontuação de aferição de força (chamada de rating) de todos os outros programas para jogar xadrez. Após mais cinco horas de "treinamento", ele foi colocado para enfrentar o Stockfish. Em uma série de 100 partidas controladas por relógio, AlphaZero — usando apenas 4 processadores para rodar seu algoritmo final e totalmente "treinado" — obteve 28 vitórias, 72 empates e não sofreu nem uma única derrota!
Este foi um resultado extraordinário. Um ser humano não tinha escrito o algoritmo final. Na verdade, os projetistas de AlphaZero tinham somente uma ideia vaga de como o algoritmo funcionava. Além disso, esse bloco imensamente complicado de software foi construído desde o nada (por AlphaZero) em apenas 9 horas. O Stockfish não tinha rivais pela manhã; todavia, no início da noite um desafiante tinha aparecido — sem que ninguém soubesse de onde — e o destruiu.
Não há nada de "sobrenatural" nisto. Um grau muito alto de capacidade intelectual foi usado para constuir um sistema computadorizado que pudesse realizar trilhões de operações, de modo a encontrar o caminho mais curto para usar um conjunto limitado de regras (aquelas que definem os movimentos das peças) para alcançar um determinado resultado final (definido como uma situação em que o rei adversário está em xeque e sem condições de se livrar do ataque). Um grande número de soluções criativas teve de ser encontrado para tratar os muitos desafios, tanto de hardware quanto de software, que foram encontrados ao longo do caminho.
O Nascimento da Inteligência Artificial
AlphaZero inaugurou IA no sentido real, pois poderia ser usado para enfrentar qualquer problema regido por regras. Um exemplo bem típico é o reconhecimento facial, uma tarefa muito amada pelos regimes tirânicos. O desafio é comparar o sujeito de uma imagem com o sujeito de outra, apesar de um alto grau de "ruido" visual em cada imagem. Isso requer que o mesmo sujeito seja identificado sob diferentes condições de iluminação e perfis. A IA pode ser usada para desenvolver um algoritmo que incorpore as regras necessárias para fazer essas distinções. Ela faz isso do mesmo modo que desenvolveu no algoritmo do xadrez, por meio da repetição infindável e reforço dos caminhos. Depois que o algoritmo é encontrado, ele pode ser transferido para computadores mais simples e usado em qualquer lugar, virtualmente sem custo algum. Todas as atividades humanas no nível de rua nas cidades mais populosas podem ser rastreadas em tempo real usando esse tipo de vigilância.
A IA pode ser transformada em arma para subjugar a sociedade, rastrear e acompanhar todos os movimentos humanos, analisar as transações financeiras e as atividades on-line, identificar as redes sociais, inspecionar os padrões de voz e rastrear a origem dos comentários "indesejáveis" sobre o regime governante ou suas políticas. O sistema de Crédito Social na China, que monitora o comportamento de mais de 600 milhões de pessoas e classifica seus "desempenhos" em relação a um conjunto rigoroso de critérios comunistas, faz uso da IA para detectar potenciais cidadãos "não patrióticos" e verificar o possível aparecimento de uma rede de dissidentes que possam desafiar a autoridade do Estado chinês.
A partir daquilo que vimos até aqui, é claro que, ao gerar novos algoritmos, a IA necessita de um poder de processamento gigantesco. Isto é especialmente verdadeiro onde o número de "regras" no problema é grande (em relação ao xadrez, digamos) e, em particular, onde algumas das regras podem variar sob certas condições e essas condições não podem ser preditas antecipadamente usando outro conjunto de regras. Em um sentido, a IA vai de encontro a uma parede de tijolos após certo tempo. Não sabemos onde exatamente essa parede está, mas em algum lugar durante o caminho o peso computacional torna-se tão grande que nenhum computador convencional (ou rede de computadores) será capaz de lidar com ele.
A resposta que a ciência está oferecendo agora é realmente impressionante, um tipo de computador totalmente novo, que alegadamente trabalha fora da dimensão física.